Desde a chegada ao Brasil da pandemia provocada pelo coronavírus, uma frase que foi repetida amplamente por diversos setores da sociedade foi sendo repetida ao extremo até chegar ao nível de “mantra”.
A famosa frase “Fique em Casa”, que nas redes sociais ganhou até uma hashtag, ganhou de uma hora um poder praticamente sobrenatural, como se a sua simples repetição bastasse pra sanar todos os problemas e situações perigosas daqueles que simplesmente não podem ficar em casa. E é exatamente esse o problema dessa frase que ganhou até mesmo força de barganha política. “Fique em casa, se puder” e os que não podem serão deixados de lado? E os direitos daqueles que não possuem condições de permanecer em casa?
A pandemia do coronavírus evidenciou ainda mais o sistema desigual que vive o Brasil e boa parte do mudo onde aqueles que dependem única e exclusivamente da venda de sua força de trabalho, o proletário, enfrentam não apenas uma crise econômica, mas uma crise na saúde e civilizacional.
O colunista Dalton Ascheroff e a fotógrafa Cintia Nogueira entrevistaram alguns trabalhadores e trabalhadoras pelo subúrbio do Rio de Janeiro, mostrando a realidade daqueles que não puderam parar de trabalhar.
CARLOS
Carlos é um profissional autônomo que, assim como muitos outros, viu sua clientela diminuir durante a crise na saúde e econômica.
Sobre a modificação no trabalho:
“Como trabalho no ramo de construção, não houve muita restrição. A clientela, claro, diminuiu, as dificuldades sempre chegam, mas agora já está normalizando.”.
Sobre as precauções em relação à saúde:
“Sempre trabalho com máscara, coloquei uma plaquinha aqui pedindo pros clientes manterem uma distância e tudo mais.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Eu acho que o presidente está certo no que ele fala, porém eu acho ele um pouco radical. Apoio o que ele fala em relação a pandemia, porém não da maneira que ele coloca.”.
VANESSA MARQUES
Vanessa é gerente de uma padaria que fica no Largo Espirro do Grilo, uma área que fica entre Bento Ribeiro e Marechal Hermes.
Sobre o movimento na padaria:
“A maioria dos nossos clientes são idosos, então o movimento diminuiu cerca de 40%. Mesmo fazendo promoções e com o sacolão que temos aqui, as vendas ainda estão muito baixas.”.
Sobre as precauções em relação à saúde:
“Estamos praticamente paranoicos com a limpeza da loja: utilizamos sempre cloro, álcool em gel e toda vez que a loja fica vazia, a gente limpa tudo onde o cliente encostou.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“O governo tá com história de aumentar salário de parlamentar. Eu sou uma cidadã, eu voto, e eu acho que se diminuísse todos os privilégios dos políticos por pelo menos um ano, as coisas iriam melhorar. Porque enquanto isso, eles estão fazendo farra com dinheiro que é nosso.”.
GILVAN
Gilvan tem um bar e uma peixaria na rua Jubaí, entre Bento Ribeiro e Vila Valqueire.
Sobre a modificação na rotina de trabalho:
“A gente abriu essa peixaria aqui tem uns 4 ou 5 meses. Mas também trabalhamos vendendo legumes, ovos, arroz, feijão… a gente tem que trabalhar com alguma coisa que dê algum lucro pra gente não ficar parado. As vendas diminuíram muito.”
Sobre as precauções em relação à saúde:
“No bar a gente sempre tenta fazer uma limpeza de hora em hora, aqui na peixaria como as coisas ficam na geladeira a gente faz a limpeza da loja no fim do dia. Mas sempre com o álcool em gel perto, né?”
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Olha, eu daria zero pra eles. Não tem ponto pra eles. Tanto o presidente quanto o governador, tudo fraco nesse sistema do Brasil.”
ELTON
Elton é um músico morador de Marechal Hermes que viu a necessidade de abrir um lava jato para poder ter uma fonte de renda durante a pandemia.
Sobre a modificação no trabalho:
“Eu sou músico de profissão, baterista, mas por conta dessa situação toda eu tive que me virar porque todos os lugares que eu tocava precisaram fechar. Por sorte consegui abrir esse lava jato com meu filho bem no início disso tudo.”.
Sobre as precauções em relação à saúde:
“É o de sempre, né? Usando bastante álcool em gel. A gente usa até mesmo nos carros que vem aqui lavar: coloca no volante, no painel… Porque aí se a gente tocar não vai ter tanto problema.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“O governo é uma vergonha! Não tem nem o que falar desse governo ou de qualquer governo. Não sou a favor de PT nem de Bolsonaro nem nada. É tudo uma vergonha.”.
PAULO CÉSAR
Paulo César é um vendedor ambulante que trabalha na região de Vila Valqueire e também viu a necessidade de se adaptar para não ficar sem renda.
Sobre a modificação no trabalho:
“ Hoje em dia eu tô vendendo máscara porque é o que tá vendendo bastante. Mas eu sempre trabalhei como ambulante, vendendo de tudo. Mas hoje dia tá brabo, a gente precisa vir pra rua trabalhar pra sobreviver”.
Sobre as precauções em relação à saúde:
“Ah, eu to me cuidando. Seguindo as orientações do Ministério da Saúde.”
Sobre as atitudes tomadas pelos govenos Estadual e Federal:
“Isso tá difícil, nem eles estão se entendendo. Acho que eles deveriam focar em procurar uma vacina logo porque isso só ta prejudicando a gente que é baixa renda.”.
VALDECI DE SOUZA
Valdeci é um vendedor ambulante que vende lanches em frente a um grande supermercado em Vila Valqueire.
Sobre a modificação no trabalho:
“A gente trabalhava aqui vendendo salgadinho, mas agora colocamos pizza, refrigerante, essas coisas. Pra ver se aumentando opção, melhora as vendas. E essa a minha principal fonte de renda. O público diminuiu bastante, mas a gente não pode parar.”.
Sobre as precauções em relação à saúde:
“A gente tá sempre de máscara aqui, lavando a mão direto. Morro de medo de pegar isso aqui, trabalhando, mas a gente tem que sair.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Sobre eles [governador e presidente] não tem nem o que falar. Tá tudo muito ruim.”.
FABIANO PACHECO
Fabiano é gerente de uma farmácia em Vila Valqueire. Sendo um trabalhador do serviço essencial, ele comenta da importância do seu trabalho mas também suas maiores preocupações.
Sobre a modificação no trabalho:
“Aqui a gente tá tomando todas as precauções possíveis, colocamos uma faixa aqui pra poder manter um distanciamento. E sempre que um cliente entrega uma receita a gente higieniza as mãos. A gente sempre usa máscara, mas hoje eu to só com o protetor porque a máscara sufoca muito.”
Sobre as precauções em relação à saúde:
“Meu maior medo é ser infectado. Nosso sistema de saúde tá um caos. Toda hora entra gente aqui, o movimento subiu cerca de 20% e a gente precisa ter esse contato, mas a gente precisa trabalhar porque somos do serviço essencial. E precisamos trabalhar também pra ajudar a salvar vidas.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“O governo municipal e estadual não parecem estar ajudando muito. E o federal encontra dificuldades porque as pessoas ainda não estão acostumadas com essas novas regras. Mas acho que no geral eles tão conseguindo ajudar.”.
CARLOS ALBERTO
Carlos Alberto é um vendedor ambulante que enfrenta muitas dificuldades na sua rotina de trabalho e na vida pessoal e diz que o Auxílio Emergencial liberado pelo governo tem ajudado com as contas.
Sobre a modificação no trabalho:
“Eu tava há um tempo sem fazer nada, então montei essa barraquinha pra conseguir uma renda. Eu alugo um quartinho aqui, então não tenho como cozinhar. Eu trabalho as vezes pra conseguir comprar uma quentinha e outras coisinhas mais básicas. Eu vou levando minha vidinha do jeito que Deus quiser.”
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Esse auxílio que o governo liberou até que deu uma ajuda. Consegui pagar meu aluguel aqui, mas até cair a próxima parcela o próximo aluguel já venceu. Infelizmente sempre vai ter uma dependência financeira. Eu costumo receber ajuda de alguns amigos, e acho que se não fosse por isso não ia conseguir me virar nessa pandemia.”.
LINDOMAR COSTA E LORENCI DE OLIVEIRA
Lindomar e Lorenci trabalham na portaria de um condomínio que fica entre Vila Valqueire e Sulacap. Apesar de não ter ocorrido muitas modificações na rotina de trabalho, a preocupação maior sempre é a saúde.
LINDOMAR
Sobre a modificação no trabalho:
“Aqui não houve muita mudança em relação ao trabalho, mas sim em relação as prevenções. Estamos usando máscara, temos álcool em gel aqui na portaria e sempre mantendo distância dos carros.”
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Acho que a atuação deles tinha que ser mais eficaz em ajudar o povo. Eles tão muito preocupados em brigar entre eles e estão esquecendo de focar na gente.”
LORENCI
Sobre a modificação no trabalho:
“Não era nem pra eu vir aqui trabalhar. Eu sou do grupo de risco: tenho 65 anos, sou hipertenso e diabético. Eu to vindo trabalhar em função do quantitativo aqui não ser o suficiente e porque a renda do aposentado é muito pequena. Mas a gente tenta se precaver né?”
Sobre a atitude tomada pelos governos Estadual e Federal:
“A gente já tá com quase 30 mil mortos e o presidente quer que todo mundo saia pra trabalhar normalmente? Isso vai contra a ciência. Meu maior medo é levar isso pra minha esposa que também é do grupo de risco e pros meus netos, eles querem ver o vovô deles, mas não pode. Imagina se eu levo isso pra minha mulher, pra todo mundo da família?”
FLÁVIO
Flávio vende doces em um sinal na Avenida Jambeiro, entre Vila Valqueire e Sulacap. Ele é mais um dos trabalhadores que precisam se arriscar para garantir a renda.
Sobre a modificação no trabalho:
“Eu trabalho como ambulante tem bastante tempo, sempre tento trazer coisa nova pra tentar vender. As pessoas tão com um pouco de medo de comprar de ambulante por conta disso tudo. O ideal seria que tudo voltasse ao normal, mas com todo mundo se protegendo. A quarentena é importante mas e quem não tem uma condição econômica boa pra se manter? Eu não tenho como ficar em casa, por isso venho aqui todo dia vender.”.
Sobre as atitudes tomadas pelos governos Estadual e Federal:
“Eu acho que o governo tem tentado fazer alguma coisa sim, o presidente tá preocupado mais com a economia do que com as pessoas, mas acho que no geral as atitudes do governo tão sendo até válidas.”.
O povo pobre, trabalhador, o proletariado, não possui as condições de ficar em casa. Dentro do sistema vigente, o povo trabalhador fica cada vez mais marginalizado e dependente da venda da sua força de trabalho. A famosa frase “Fique em Casa” se torna totalmente vazia na boca de quem não luta pelo povo trabalhador do país, se faz necessário, cada vez mais, uma união de todos os trabalhadores para que se faça valer a nossa força e que, de fato, possamos conquistar um Estado que vise nossos interesses.