Cinema

“Black Is King”: filme de Beyoncé abraça a busca pela ancestralidade africana na diáspora

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Inspirado em Hamlet, uma das tragédias mais famosas de Shakespeare, o “Rei Leão” é um dos maiores sucessos da Disney. Nele, o ambiente aristocrático converte-se nas savanas africanas e o príncipe dinamarquês é Simba, um leão, herdeiro do trono, que abandona a sua posição após a perda do pai. Ao espectador, “Black Is King”, novo álbum visual da Beyoncé, sugere novos personagens: os animais abandonam a história e devolvem seus respectivos papéis para os seres humanos, mas, dessa vez, com um protagonista negro, em busca de suas próprias raízes no século XXI.

A questão da identidade é inerente tanto ao clássico infantil quanto à releitura musical: é preciso saber quem você é, mas, primeiro, lembrar-se de onde você veio. Associadas ao conceito do filme, as letras das canções reescrevem a história do leãozinho. O foco é a construção de negritude de Simba em um cenário diaspórico, na América. A diferença entre um filme ruim e um bom reside, muitas vezes, na capacidade de conexão do público com os personagens: é necessário ser verossímil. O roteiro, portanto, é extremamente assertivo; qualquer preto, ao redor do mundo, é capaz de entender a situação do personagem, seja porque já experienciou a situação, ou porque ainda atravessa a mesma vivência.  

De Bigger à Spirit, as faixas assumem o plano de fundo, traçando uma linha cronológica – nascimento, confronto, descoberta e, enfim, posicionamento. O álbum havia estreado em julho do ano passado, ou seja, as músicas já eram familiares aos ouvintes. A surpresa, portanto, abandona a aspecto musical e reside na estética impecável; de paisagens desérticas aos palácios luxuosos, o filme explora o poder dos simbolismos: histórias bíblicas, matriarcado, religiões de matriz africana, pan-africanismo e afrofuturismo. São inúmeras referências socioculturais, tantas, que somente um especialista poderia notá-las em sua totalidade. Contudo, mesmo ao olhar superficial de quem mal conhece esse lado da história, é impossível não perceber que Beyoncé inspirou-se na sua própria africanidade.

Apesar de ser possível perceber linhas tênues que conectam os clipes, pela narração ou pelo uso de recursos visuais, cada música traz um novo tom à história. Em “Brown Skin Girl”, a delicadeza da letra é elevada ao nível de um conto de fadas, amplificada pelo cenário e coreografia – trazendo a memória os bailes de séculos atrás –, pela paleta de tons pastéis e pelos figurinos pomposos – ternos, gravatas e vestidos rodopiantes.  Em “Mood 4 Eva”, a mensagem é outra; o tom debochado e irreverente é evidenciado pelo luxo: mansão, mordomo, criados, ouro, pedras preciosas e, até mesmo, uma breve referência à “Apetish”, gravado por Beyoncé e Jay-Z, seu marido, no Museu do Louvre. 

Enquanto na indústria cinematográfica a participação da população afro-americana nas telas e atrás das câmeras é ínfima, em “Black Is King”, ela é extremamente presente em cada uma das grandes áreas: direção, produção, atuação e coreografia. O álbum visual abre espaço para outros cantores, inclusive africanos, que participaram das músicas. Além de estadunidenses já conhecidos pelo grande público, como Pharrel Williams, Kendrick Lamar, Major Lazer, Childish Gambino e Jay-Z, no filme, é mostrado cantores de diversos países, como Nigéria, Camarões, África do Sul, Gana e Mali. A variedade, tanto na nacionalidade quanto na sonoridade, possibilita aos ouvintes fugir dos padrões pré-estabelecidos pela indústria musical.

Em tempos sombrios, com o estopim de protestos antirracistas pelo assassinato de George Floyd, a exaltação do novo álbum visual de Beyoncé não é motivada pela ostentação, mas sim pela necessidade do povo negro de ver beleza, realeza e, por fim, esperança. A redução de “Black Is King” ao brilho, cristal e estampa de oncinha, crítica feita pela Lilia Schwarcz – historiadora e antropóloga – na Folha de S. Paulo, é extremamente problemática. Para além dos artifícios hollywoodianos, a mensagem política é impactante para todos aqueles que conseguem absorver a essência do filme: preto é rei. Para todos os efeitos, Beyoncé Giselle Knowles-Carter permanece na sala de jantar, enquanto levanta seu copo para o céu.

Assista ao trailer final de “BLACK IS KING”, o mais novo filme de Beyoncé. O longa está disponível no Disney Plus.

Fontes: Uol, Mundo Negro

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