O novo procedimento utiliza o preenchimento com ácido hialurônico para criar um ponto imaginário no canal vaginal
As cirurgias plásticas íntimas são cada vez mais populares entre as brasileiras. O país, que não perdeu a medalha de ouro no pódio desde o último censo, é o atual campeão mundial em labioplastias. De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS, na sigla em inglês), somente em 2019, mais de 30 mil mulheres buscaram corrigir as “imperfeições” nos lábios internos. Em 2017, eram 21 mil. A tendência de crescimento, no entanto, está trazendo outras inovações para a cosmiatria (estética) íntima. Algumas, problemáticas. A criação de um novo ponto de prazer no canal vaginal é uma delas. E, diferente do que se pode imaginar, ele não é para a mulher.
A partir do preenchimento de uma região na parede posterior da vagina com ácido hialurônico, alguns ginecologistas têm criado, em consultório, o ponto H. O objetivo é aumentar o prazer do parceiro na relação sexual através do aumento do local de contato da glande do pênis durante a penetração. Os preços variam em torno de R$1400. Ao menos seis profissionais da área compartilharam, nas redes sociais, publicações relacionadas ao procedimento. Giovanna Milhomem é uma delas. Em vídeo publicado no IGTV no dia 23 de junho, ela apresenta o novo ponto: “É mais ou menos um presentinho para o seu parceiro”.
Rejane Itaborahy, ginecologista com atuação na área de uroginecologia, alerta, no entanto, que o presentinho pode trazer riscos à saúde da paciente. “Elas [pacientes] podem desenvolver o que a gente chama de granuloma de corpo estranho. Faz um nódulo mesmo. É como se o organismo tivesse uma reação ao produto.” Outro risco é o de infecção. “É o que pode acontecer na face inclusive”, resume. Também afirma que a diferença é que o ácido hialurônico não é liberado para uso no canal vaginal. “Estudos foram feitos na face. Mas não existe nenhum estudo feito, realmente, estudos sérios, que esses órgãos [de regulação] levam em consideração, feitos na região genital”. “É aquele famoso off label. Está na bula que a gente pode usar com esse propósito? Não, não está.”
Preenchimento do ponto G e H: qual a diferença?
O ácido hialurônico não é novidade nos consultórios ginecológicos. O preenchimento do ponto G, outro procedimento não-cirúrgico que utiliza o produto, é uma técnica que promete aumentar a sensibilidade e a acessibilidade à região. Nesse caso, os riscos podem ser ainda maiores. “Você está injetando uma substância, e se houver algum tipo de lesão em uma área tão enervada? E se houver alguma perda de sensibilidade?”, questiona a ginecologista. O oposto também é outra possibilidade. “E se aquilo ficar hipersensível e doloroso?”
Apesar de utilizarem a mesma substância, os dois procedimentos divergem em uma questão importante: objetivo. Enquanto um promete aumentar o prazer das mulheres que chegam ao orgasmo com a penetração, o outro privilegia o homem. A ginecologista ressalta a questão do orgasmo gap. “Já existe uma diferença entre o percentual de homens que chegam ao orgasmo numa relação sexual e o percentual de mulheres, que acaba sendo menor, e elas querem fazer algo para aumentar ainda mais o prazer deles. E elas?”, argumenta. Segundo dados de uma pesquisa sobre sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), 55,6% das mulheres têm dificuldades para chegar ao orgasmo.
Orgasmo
O resultado no aumento do prazer sexual para o parceiro também não pode ser comprovado. Para aquelas que sentem necessidade de fortalecer a musculatura do canal vaginal, a profissional recomenda a fisioterapia pélvica, que além de firmeza, gera “consciência corporal”. “Uma mulher que seja praticante do pompoarismo vai fazer mais diferença de quem injetou 1ml ali atrás”, explica a médica. Em vídeo publicado no IGTV na última terça-feira (14), Marcela McGowan, ex-BBB e ginecologista, afirma que “o universo da cirurgia íntima, dos procedimentos íntimos não é um problema, o problema é a finalidade com que ele está sendo usado”.
Gizeli Hermano, psicóloga, coordenadora e co-editora do livro “Autoamor: um caminho para a autoestima e regulação emocional feminina” desperta a atenção para o emocional dessas pacientes. “A busca por essa cirurgia pode ser um alerta de como está a relação dessa mulher com o próprio corpo e sua sexualidade”, afirma a psicóloga. “Optar por fazer uma cirurgia com objetivo exclusivo de satisfazer o seu parceiro pode ser um meio de aumentar suas inseguranças e o sentimento de insuficiência, já que se entende que esse corpo está ‘danificado’ ”. Ellen Senra, psicóloga com quem divide a organização e autoria do livro, concorda. “Seguimos com o padrão de objetificação feminino e reforçamento de uma sociedade machista, o que leva as mulheres a entenderem que o seu prazer não é prioridade, trazendo um retrocesso na relação de amor próprio e aceitação do próprio corpo.”
A ginecologista Rejane Itaborahy conta que atende muitas mulheres que estão insatisfeitas com a própria intimidade. “É interessante como a vulva é foco de frustração”, afirma. “A mulher insatisfeita transfere muito para a vulva a causa do relacionamento estar ruim.” Membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo), a médica segue a política de atenção da instituição à cosmiatria íntima. “Eles [Febrasgo] vão estar sempre recomendando que se fale da normalidade do aspecto de qualquer vulva e que o médico tenha muita parcimônia nas intervenções”. Professora na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Rejane, que divide o consultório com a sala de aula, revela o cuidado com as pacientes que procuram os procedimentos estéticos: “Eu tenho o cuidado de perguntar se o parceiro mencionou alguma coisa, às vezes parte de um cara grosseiro”. Em seu consultório, entretanto, é quase unânime: na maioria das vezes, a decisão parte da própria paciente.
Autoamor
Para a psicóloga Gizeli Hermano, a questão vai mais além. “A insatisfação não é só com o corpo, são com elas mesmas. É isso que as mulheres precisam entender. Não é apenas um corpo. É o seu corpo, é quem você é, são seus sentimentos. Essas mulheres estão querendo agradar o outro para serem amadas, quando na verdade, elas ainda não aprenderam a se amar.” “Salvo se a mulher se incomodar com sua própria anatomia, qualquer cirurgia estética íntima é mais para o prazer do parceiro do que da própria mulher, ou seja, seguir um padrão de aceitação do outro”, acrescenta a psicóloga Ellen Senra.
A ginecologista Marcela McGowan recomenda um momento de reflexão para quem está pensando em fazer qualquer cirurgia íntima. “Pensem uma, duas, cinco dez mil vezes antes de se submeter a um procedimento estético, que tem sim riscos e consequências, só para se enquadrar em um padrão que atende a quem? A uma sociedade super machista e super capitalista que quer te vender defeitos para que você compre de volta soluções”, afirma.