No Brasil, segundo a ONU, 49,6 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar moderada e 7,5 milhões estão em situação severa. A falta de políticas públicas faz com que o país, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, não consiga fornecer alimentos para toda a população. Um dos motivos para essa estatística é o conflito entre Rússia e Ucrânia, que agravou um problema que já estava presente no mundo: a insegurança alimentar.
Conflito tem causado explosão nos preços dos alimentos e combustíveis
Rússia é, atualmente, a maior produtora mundial de petróleo e gás e que, nas últimas safras, se tornou a maior exportadora de trigo do mundo e importante fornecedora de alimentos para a Europa e Ásia. Na outra ponta, a Ucrânia é uma das principais fornecedoras de milho e óleo de girassol. Os dois países têm peso relevante no mercado internacional de insumos agrícolas.
Uma escalada maior do conflito e a não previsão de término já tem surtido efeitos mundiais, que fazem com que o preço de combustível, transporte e alimentos se elevem e consequentemente a porcentagem de pessoas que tenham acesso a eles diminua.
25 milhões de toneladas de grãos estão presos na Ucrânia
Segundo um vice-diretor da FAO, quase 25 milhões de toneladas de grãos estão presos na Ucrânia e não conseguem deixar o país devido a problemas de infraestrutura e portos bloqueados no Mar Negro, incluindo Mariupol. Imagens de satélites analisadas pela empresa de geolocalização Kayrros mostram que o rendimento da próxima colheita de trigo na Ucrânia poderá ser 35% menor em relação a 2021 devido à invasão russa que afetou gravemente a temporada de plantio, que está em curso, e obrigou os agricultores a trabalharem debaixo de bombas, com dificuldades para encontrar combustível.
Escassez de alimento no mundo
O professor de Relações Internacionais da ESPM, Demetrius Cesário Pereira, informa que como Rússia e Ucrânia são grandes produtores agrícolas, os efeitos da guerra devem ter um impacto global. “Isso pode levar a uma escassez de alimento no mundo que pode afetar não só os importadores de alimentos e fertilizantes, mas também outros países, porque essa exportação pode ser redirecionada e pode afetar o mundo inteiro”, resume.
A escalada nos preços afeta diretamente a realidade dos países mais pobres. O bloqueio dos grãos na Ucrânia é um dos fatores responsáveis pela alta, que atingiu nível recorde em março devido à incerteza sobre os fornecimentos. Em abril, houve uma queda, porém os preços se mantêm em um nível historicamente alto.
Estratégias para garantir a segurança alimentar no mundo
Grandes potências agrícolas, incluindo a União Europeia(UE), os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, comprometeram-se na última sexta-feira (6), a garantir a segurança alimentar no mundo, apesar das perturbações provocadas pela invasão russa da Ucrânia. “Nos comprometemos a trabalharmos juntos para garantir que haja comida em uma quantidade que seja suficiente para todo mundo, incluindo os mais pobres, os mais vulneráveis e as pessoas deslocadas”, escreveram os 51 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) em um comunicado conjunto.
Fundo Monetário Internacional oferece apoio
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também manifestou sua preocupação e se disse aberto a financiamento de emergência para países que enfrentam insegurança alimentar. Entretanto, apesar de fornecer ajuda, o FMI também afirmou que os governos precisam direcionar apoio fiscal às populações vulneráveis mais atingidas pelo aumento dos preços de energia e alimentos e que estão sendo atingidas pela guerra no Leste Europeu. Os preços mais altos de alimentos e energia ampliaram os riscos de agitação social, especialmente em países de baixa renda que já encaram altos níveis de dívida após a pandemia de Covid-19 e agora enfrentam custos de empréstimos mais altos em meio a aumentos das taxas de juros, disse o FMI em seu último relatório sobre evolução fiscal global.
Alimentação escolar e programas de proteção social
João Intini, oficial de políticas de sistemas alimentares do escritório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para América Latina e o Caribe, alerta que o foco deveria está na alimentação escolar e nos programas de proteção social, como a transferência de renda. “Isso contribui para que a segurança alimentar e a garantia de alimentação adequada seja realmente o resultado atingido”, afirma. Para ele, esse é o maior problema enfrentado pelo Brasil.
Fertilizante e combustíveis mais caros elevam preços dos alimentos
Apesar de o Brasil ser um grande produtor agrícola e ter uma safra agrícola estimada para esse ano estimada em mais de 270 toneladas de grãos, o país não tem conseguido “garantir a segurança alimentar da sua própria população”, diz Intini. “Esse paradoxo diz respeito ao sistema alimentar desequilibrado. E onde está o desequilíbrio? Está justamente na preferência por manter o curso de exportação de alimentos em detrimento de uma política alimentar e segurança alimentar nacional”, acrescenta. Isso traz um impacto direto no custo da produção agrícola. “Quando ele se eleva pelo fato do fertilizante e combustíveis estarem mais caros, o alimento chega com preços mais elevados ao supermercado e feiras”, explica o representante da FAO. Dessa forma, comprime ainda mais uma parcela da sociedade que está bastante afetada pelo declínio econômico desde a pandemia.
Investir mais na produção
Além de pensar em políticas públicas, o professor de Relações Internacionais, Demetrius Pereira, afirma que, para diminuir as chances de ser afetados pela insegurança alimentar, os países deveriam investir mais na produção. Ele reconhece, porém, que trata-se de uma medida de médio e longo prazo, e alerta para o risco do aumento dos preços em razão da lei de oferta e procura. “Quando você tem mais procura e menos oferta os preços aumentam. O Brasil, por exemplo, é um grande produtor agrícola, mas até os produtos brasileiros conseguirem suprir a demanda, não é algo imediato”. Quando esses problemas se encontram, acontece a elevação de preço, inflação de alimentos e diminuição do poder de compra de uma parcela da população. “Não há, nesse momento, nenhum cenário que possa ser previsto de quando essa alta de peço terminará, tampouco temos politicas públicas que facilitem ou ampliem o poder de compra do consumidor”, diz Intini.
O advogado especialista em logística, Direito Marítimo e agronegócio, Larry Carvalho, faz outro apontamento: quando se fala em pós-guerra, a comunidade internacional idealiza uma solução rápida para o conflito entre Rússia e Ucrânia. O cenário, porém, reforça a incerteza quanto ao fim da guerra. Para ele, o que fica de lição para o Brasil é: “o que fazer para ser menos dependentes de fertilizantes importados?”
Fonte: CNN, Jovem Pam, Agência Brasil